Degrau
degrau
de qual degrau você parte?
você parte?
vais à algum lugar?
queres ir à algum lugar?
texto iniciando com perguntas
isso é bom porque o leitor se distrai
se volta para dentro e esquece o quê lê
isso é bom…
este texto ia se chamar: nordestino
mudei o texto
estava fazendo um lanche e mudei
mudei de ideia sobre o título
meu lanche é pão
manteiga da boa
mortadela da ruim com ovo frito
e alface, tudo é questão de equilíbrio
matada a fome (depois do texto vou comer)
matada a curiosidade sobre o lanche
vamos começar
vamos conversar…
pensei em falar sobre o nordestino
que vence o sudeste
mas isso é batido de mais
tem mais complexidade no meio disso
mas não vou fugir desse chassi
vou por aí, não vou me omitir
sou sim, um nordestino que vem aqui construir
não com as mãos, mas com a mente
ora, aqui vou me ater a mente e braços
porque o sudeste e o nordeste, neste quesito
estão lado a lado
entrelaçados, embora há rejeições e omissões…
veja, não acho que o sudestino e o nordestino são diferente
são bem iguais e bem diferentes e bem brasileiros
são matreiros, traiçoeiros
mas não quero falar dos povos destes esteiros, que falar de mim
2025 tenho 37, cheguei em 2007
rimou haha, mas agora meio que vivi lá e cá
e não há mérito e demérito
só há experiências, vim aqui, a minha relatar, bora lá!
então, eis que venho pra cá mas com bagagem
na Bahia, eu era de correria, não ficava de sacanagem
gostava do mar, floresta, dos bichos, de pintar
era um artista, da praia e do mato
gostava de cantar, dançar, pintar e desenhar
autodidata em um monte de coisas: falar bosta
e criar, ser engraçado e abobalhado
talvez pra disfarçar, minha dor de adotado…
enfim, na Bahia me identifiquei com as artes
e o povo dizia: Gil, daqui tu não faz parte!
voa, saia daqui vá fazer parte
de um lugar que enalteça sua arte
pois fiz, vim pra SP
virei artista e professor
e um monte de coisas
que a gente nomeia em nome do ego
mas para o meu pelego
percebo que o sudestino
o cara do sudeste hehe
também é correria
e mostro pra eles que baiano é correria
não e preguiça ou férias o ano todo
que na verdade têm inveja dos baianos
porque quando de férias (os sudestino) vê a gente “de boa”
mas o tempo voa e o nordestino, o baiano
é correria, prepara tudo pro turista, cabana
praia, rios, barcos
baladas, drogas, prostituição, reclamação…
um lugar turístico é feito pra encantar
mas nos seus bastidores tem muita coisa pra contar
vou pular esta parte
todo paraíso, guarda seu purgatório e inferno e muitos turistas vão lá por isso: expurgar
voltemos ao relato pessoal: chego na metrópole e percebo o atraso
o atraso cultural, tecnológico e intelectual
em 2007 percebi que precisava ganhar tempo, se é que quero competir!
competir, aqui é o lugar para isso
vim de um lugar onde adoramos a lua
o mar a calma, a paz e a ajuda mútua
na Bahia há competição e traição
tudo o que há no ser humano de plantão!
mas aqui é mais expresso, perverso
de questões raciais à religiosas
de questões de grana à amizades
nuances diferentes
dizem que o nordestino, o baiano
o povo do nordeste é desapegado
um povo alegre que acolhe
mas lá também há competição e mediocridade
há paralelos em sudeste e nordeste
ou seja, o ser humano é o que é
de norte a leste
todos são, no fim, cabra da peste!
pois bem, percebi que meu perfil de buscador
tanto lá quanto aqui não eram o padrão
gosto de ler, estudar, pesquisar, ajudar
este padrão não é o normal, não habitual
veja bem, não é nada pessoal
em ambas as terras temos perfis assim
pessoas que buscam
pessoas que dormem
percebi contrastes gritantes como falta de cultura
conhecimento, vontade de viver, correr e competir
mas pra nada disso vim aqui
e me veio o ímpeto espiritual
quem sou?
o quê sou?
porque e para quê estou aqui?
para onde vou?
tudo isso permeado pela saudade da terrinha
da banana cozida de manhã
das amizades de rua
do futebol na calçada
Cabrália me faz falta
e quando volto à Cabrália
SP me faz falta!
vai saber de onde sou…
sou do mundo
das pessoas
da artes
do não mundo, da impessoalidade
sabe?
é bom traçar paralelos: vir pra cidade
vencer a cidade
fazer faculdade
passar em concurso
a ideia do nordestino
arquétipo do vencedor
que vence a fome
as dores e cura sua dor com coisas
são máscaras lá e cá
na Bahia ou em são Paulo
são armadilhas de ser e estar
mas não há nem lá nem cá
só há você vivendo em contextos diferentes
tentando se comunicar e conectar com gente
gente difícil lá e cá
e no meio disso você tentando se achar…
acho que não tem a ver com cidades e estados
tem a ver com seus próprios estados
estados de ser
de estar…
se conectar com você
seja na plantação de maxixe
seja na CPTM lotada
se conectar, você consegue?
vendi coisas no porto das escunas
peguei trem lotado
escritório apertado
noites em claro à beira mar
e sabe o que é o lá e cá?
perceber, que seja na praia
ou no sétimo andar
se você não se amar, não irá se encontrar…
não é o campo ou a cidade
o guri que vendia latinha pra ter dignidade
ou o paulista que come marmita fria
não… é você no fim do dia, da jornada
uma hora a ficha cai
cai cargos, roupas, carros, apartamentos
cai a felicidade das coisas
e no silêncio de ter ou pertencer
você percebe que correi a vida toda
e nem ao menos teve tempo de ser você
seja no bater das ondas da Praia do Arakakaí
seja no efervescer da Praça da Sé
em ambos os casos e lados, tente voltar para você
desça um degrau ou suba um degrau
no fundo, ninguém parte de forma igual
mas olhe pro lado, se seja lá qual for o seu degrau
sempre há maneira de ajudar seu irmão
porque no fim da vida e da existência
se é que ela existe
meu degrau, não é igual ao seu degrau
em qual degrau nos encontramos e nos afastamos de nossos degraus?
degrau…
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